Como estou a caminho dos noventa anos de sobrevivência, é muito natural que pouco tempo me restará para vir contar algumas peripécias, ocorridas na vida, das quais já só haja pouca gente que retenha em suas memórias , entre nós, actos e factos ocorridos há perto de uma centena de anos.
Como ainda me resta alguma lucidez, a despeito dos meus 86 anos, aqui vai, então. um.... histórias da carochinha!
De Luanda (Angola), parti com destino a Lisboa, a bordo do vapor "Mouzinho", aos seis anos de idade, com o meu irmão José Duarte (4 anos de idade), tendo a nossa queridíssima Avozinha, (Helena Pinto Carmo Ferreira) assumido a responsabilidade de cuidar de nós, por toda a vida, porque nossa saudosa Mãe (Maria Helena Carmo Ferreira Baptista), falecera, dias antes, após uma doença incurável, à época, em LUANDA-ANGOLA..
Nosso Pai (Domingos José Baptista) teria que permanecer em Luanda, devido ao posto de trabalho Directivo que exercia nos CTT- Angola.
Instalados confortavelmente, a vida, a partir de então, levou o seu curso normal e digno.
Nossa Avó, que substituíra a nossa Mãe, tudo fez para que a felicidade retornasse ao nosso convívio., inclusivamente, o encaminhamento para o inicio das nossas actividades escolares.
Embora as instalações fossem boas, não havia água canalizada, pelo que o seu abastecimento era proveniente de um poço (numa nora), existente na quinta a pouca distância, sendo o abastecimento da água, na altura, conduzido e transportado por meio de bidons especializados, conduzidos à cabeça.
Mas não há bela sem senão...
Lembro-me, que certa noite, no momento em que ia para os lençóis da cama, sob materna vigilância da "Vóvó", batem à porta, e ouve-se uma voz estridente...."o nosso Pai morreu, suicidou-se "...
Dai para diante, não me apercebi do que passara, apenas no dia seguinte, após ter acordado, é que viria a perceber o que sucedera.
O Pai da nossa Avó, o Sr, Zé Pinto, fora atraiçoado numa das suas operações relacionadas com a tal quinta, que lhe pertencia.
E o que vi, então, do lugar em que me encontrava, junto à porta... O Sr Zé Pinto, com um forte cordão ao pescoço, com a língua de fora, pendurado do cimo da janela que dava para a rua!...
Nunca me esquecerei do fantástico espectáculo que vi... Um corpo pendurado da travessa superior da janela, a espumar... um horror !
Os tempos foram voando... voando.. e, muito mais tarde, o Tio Rogério conduziu-nos a bordo do vapor "Angola", com destino a Luanda, onde ficámos depois a viver... com o nosso Pai.
Mas o nosso embarque, em Lisboa, com destino a Luanda, foi em segredo para que a nossa querida e saudosa Avó não tivesse nenhum colapso no momento em que teria a percepção que iria perder os netinhos para sempre...
Do tio Rogério, por exemplo, certo dia passou-se o seguinte, enquanto vivíamos na Luz:
Tendo-se apercebido de que eu errara na execução de um trabalho escolar, nesse dia, e que eu teria que o repetir sem erros, para ser entregue no dia imediato à Professora, exigiu-me que o fizesse de novo e que quando regressasse do emprego, à noite, queria vê-lo, e, como recompensa, deixou nas mãos da minha Avó uma bela tablete de chocolate, para eu saborear, quando viesse para casa, à noite, de regresso do escritório. Todo o dia esforcei-me para executar a dita obrigação, que cumpri, sem erros, e já estava a aguçar os dentinhos, para logo à chegada do tio, desembrulhar o saboroso prémio. Aconteceu, porém, que o Tio Rogério, teve que fazer serão e veio muito tarde para casa. Assim, lá se fora a guloseima, que tanto eu esperava.... Mas, perante a minha ansiedade e espera pelo prémio por ter cumprido, com êxito, o castigo imposto, eis que a Santa Avó, nesta circunstância, lá me chamou e disse... "Cumpriste honestamente com o castigo que te foi implicado, por isso, mesmo sem o teu tio estar presente... toma lá a tablete de chocolate e que te saiba muito bem"...
Ah ! Grandes e Amorosas Avós ! Bem hajam !
Do meu saudoso tio Ricardo, ainda retenho na memória o momento em que me chamou à parte, dando-me uma breve lição de comportamento digno, na sociedade. No dia do seu casamento, como era um oficial do Exército Português, ao sair da Igreja, brindaram-no cruzando as armas ao longo do percurso e do som da música celestial que se fez ouvir.
Tomei aquilo como sendo uma escabrosa brincadeira dos militares. Foi, depois que me foi explicado que era uma forma honrosa e digna de saudar o enlace matrimonial, e não um reles jogo de futebol....Ficou-me de lição, para sempre (eu era ainda muito novato..)
E, para não causticar com mais "lembretes", recordo, mas já em Angola, que certa vez, recebi do meu Tio Fernando, residente na altura em Moçamedes (Angola), que era Alto Funcionário dos Tribunais, a quem eu escrevia muitas vezes, mas nunca selava a correspondência, remetendo-a pura e simplesmente nos marcos de correio, mas sem selos... e eis o resultado, vindo telefonicamente da boca desse meu saudoso tio: "Armando, então nunca tens dinheiro ao menos para colocares um simples selo de correio na correspondência que me envias ?"
Bons tempos !...Até o Sol já rodopiou muitas e muitas vezes ao redor deste Mundo !!!...
Tá?!
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