terça-feira, 1 de maio de 2012

Um sonho e depois o pesadelo

Uma criança sorria ao ver a mãe e o pai a chegar do trabalho ao final da tarde, para se juntarem como uma família. Há horas que os esperava à janela da casa da avó, onde ficava durante a tarde, após as aulas na escola primária onde frequentava a terceira classe.

Uma escola. Para quem desconhece o que isso era...
 Bom aluno, adorava, o menino, a escola, a sua professora, Maria José, austera mas justa e uma grande mestre, sabedora dos valores e dos conhecimentos que devem ser transmitidos às crianças em tão tenra idade.
O menino, com apenas 8 anos, ia a pé para a escola, pois a distância a que ficava da sua casa assim o permitia. Era um felizardo, mas a verdade é que havia várias escolas e crianças também não faltavam. Das 8 e meia da manhã até às 12 e 30, todos os dias sabia com que contar.
Por volta das 10 e 30, um intervalo para o recreio. Primeiro ia à cantina da escola, num edifício anexo ao das salas de aula, com bonitas cortinas, feitas à mão pelas funcionárias, nas janelas. Um edifício baixo que fazia lembrar uma casa de bonecas. Aí, bebia, a correr, um pacote de leite do Martins & Rebelo e engolia uma sandes com manteiga, que as funcionárias distribuíam. Ao lado da cantina havia uma horta de onde se retiravam os legumes que serviam para os almoços das crianças que comiam na escola. Hoje chamar-lhe-iam "agricultura biológica", na altura chamavam-lhe comida.
Depois era correr, jogar à bola, gastar todas as energias, para voltar para a aula ainda com maior vontade de aprender e absorver, como uma esponja, os ensinamentos da mestre: "O homem viajou até à Lua e um dia esperamos poder ir até Marte e, quem sabe, lá viver", dizia ela, com os olhos brilhantes de entusiasmo. Os olhos do menino, brilhavam em solidariedade e quando os fechava via-se dentro de uma nave espacial a caminho da Lua.

De repente abri os olhos. O rádio despertador debitava as notícias do dia: "A dívida aumenta e os juros sobem. A crise está pior do que nunca. As pessoas protestam nas ruas. Manifestantes mortos. Lucros do grupo económico ABCDEF sobem 23%. Político foge com dinheiro dos contribuintes e está em parte incerta". Volto a fechar os olhos, tentando sair do pesadelo e voltar ao sonho mas o locutor insiste no anúncio das desgraças do dia. Ou serão as desgraças da semana, ou mesmo do mês ou do ano? Cerro os olhos mais uma vez mas as doces imagens de um dia diferente, de um mundo diferente, onde as pessoas viviam e se relacionavam, não se fechando em mundos virtuais de silicone e silício, julgando-se muitos acompanhadas por amigos digitais, quando, na verdade, nunca estiveram tão sós. As coisas deviam ser mais simples, sem cartões nem promoções. O cheiro de uma torrada pela manhã ou o aroma de uma açorda que a mãe cozinha para o almoço estão agora distantes. Mas porque tem que ser assim? Será que este pesadelo é realidade ou apenas uma partida da mente, apenas um sonho mau do qual ninguém parece conseguir acordar? Será que a realidade lá fora é o sonho onde estava o menino? Será que não podemos escolher a nossa realidade? Será? E porque não? A vontade pode tudo, é uma questão de querermos... de verdade. Ou então, em alternativa, continuar acomodados à trilogia da alienação global: "Trabalha, consome, cala". E amanhã é outro dia...

Texto de Luís Ribeiro, amigo do "proprietário" deste espaço, revolucionário, reaccionário e farto desta ópera bufa de qualidade e gosto mais que duvidoso, que poucos, muito poucos mas poderosos (ou assim eles querem que os vejam) nos impingem, esperando manter a maralha dormente e adormecida. A inspiração para este texto brotou das notícias veiculadas, hoje, na TV sobre a mega promoção de 50% de desconto imediato no Pingo Doce e as imagens, tristes diria, de pessoas, como que enlouquecidas por uma necessidade de comprar o mais que pudessem no mais curto espaço de tempo. A polícia foi obrigada a intervir e houve situações de conflito dentro das lojas para ver quem ficava com determinado produto, que entretanto já escasseava nas prateleiras. Fez-me lembrar aqueles filmes cataclísmicos americanos sobre a proximidade de uma qualquer guerra nuclear. A reflectir, muito para além do óbvio...

Um grande abraço. Sr. Armando, espero que goste ;-)

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