segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Um conto de Natal...

Gaspar conferiu mais uma vez o balancete do mês. Como estava próximo do final do ano, aproveitou e lançou também o seu olhar e atenção para o balanço de mais um ano de números e cifras sem fim.

As páginas dos livros de registo pareciam intermináveis. A noite de consoada aproximava-se, os seus secretários e assessores saiam,  um a um,  despedindo-se,invariavelmente com um sorriso e aquelas palavras que, para Gaspar,  se começavam a tornar irritantes: "Bom Natal, Feliz Noite !". "Que raio !", pensou Gaspar, "...com tantos números para conferir e impostos para cobrar e uma dívida para pagar, e estes tipos só falam em Natal!?!?  Mas está tudo louco ?"

Pouco tempo depois Gaspar ficou sozinho. As madeiras nobres do seu luxuoso gabinete pareciam falar. Todo o edifício do Ministério parecia ter vida própria. Como uma mansão assombrada por terríveis fantasmas,  ruídos e luzes próprios de um tenebroso filme de terror, cercaram o nosso Gaspar, que olhava  para tudo isto, assustado.

As imagens fantasmagóricas mostravam crianças com fome, a desfalecer nos bancos das escolas, agora quase vazias. Na outra parede, projectavam-se cenários de pessoas a vasculhar pilhas imensas de lixo, recolhendo alimentos quase putrefactos para manterem a esperança duma vivência que não existia há muito... Tudo isto acompanhado de gritos e clamores de agonia.

Gaspar não aguentava mais. Tentou tapar os olhos com as mãos mas as imagens perpassavam  os seus dedos, entrando brutalmente pelos seus olhos, dolorosas como agulhas em brasa. Os gritos eram ensurdecedores. Louco, Gaspar começou a rasgar e a queimar na lareira de mármore italiano os livros de registos contabilísticos, que tanto adorava. Estranhamente, isso parecia acalmar os seres etéreos que o atormentavam. Extenuado, o nosso Scrooge de trazer por casa,  acabou por adormecer.

O Sol a entrar pela janela, ampla, do gabinete acordou Gaspar. Uma televisão, no canto da sala, debitava, baixinho, canções de Natal. O nosso atormentado personagem mudou de canal sucessivamente. Só ouvia boas notícias e um jornalista anunciava o fim da austeridade e da crise. Os Senhores do Mundo tinham sido destronados por qualquer milagre mobilizador das vontades. Gaspar sempre, na verdade, o soube: a crise sempre estivera nas cabeças de alguns ditos iluminados. Afinal o Mundo era generoso e suficiente para todos. Os números nunca poderiam ter estado à frente das pessoas. Renovado, Gaspar pegou no seu casaco e saiu. A sua  Família há muito que o esperava para comemorar o Natal. E ele não ia deixar que números e gráficos se sobrepusessem de novo aos valores da verdadeira condição humana, da ética e do bem comum...

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